“Matar
não é dominar, mas aniquilar, renunciar em absoluto à compreensão. O assassínio
exerce um poder sobre aquilo que escapa ao poder. Ainda poder porque o rosto
exprime-se no sensível; mas já impotência porque o rosto rasga o sensível.”
(Emmanuel Levinas, 1906 a 1995 - filósofo
francês de família judaica na Lituânia – sua obra era matéria obrigatória na
nossa faculdade em Leuven na década de 70).
Nas últimas semanas eu fiquei refletindo
bastante sobre aquilo que o noticiário vem apresentando ao destacar os fatos
que envolvem os novos refugiados na atual conjuntura do Velho Continente.
Afinal, sou nascido na Bélgica como filho duma empregada doméstica que veio da
Holanda procurar emprego na capital Bruxelas no ano em que a Segunda Guerra
Mundial estava caminhando para o seu desfecho. Foi ali que ela conheceu o meu
pai naquele ano de 1945 quando este, depois de ter conseguido fugir como prisioneiro
de um confinamento numa fazenda em território alemão, clandestinamente trabalhava
como mordomo numa mansão onde morava uma família de nobreza a apenas onze
quilômetros do município onde se criou numa família de classe operária. Os dois
casaram-se e três anos depois me procriaram assim sendo o primogênito deles.
Significa que eu entrei neste mundo no ano em que a humanidade foi contemplada
com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro
de 1948).
No mês de abril 1977, quer dizer 29 anos
depois, eu vim para o Brasil onde três décadas antes uma porção de conterrâneos
e muitas famílias de países vizinhos encontraram uma acolhida permitindo-lhes
começar aqui e em outras partes da América Latina uma vida nova.
Perante a barbárie que jogou
recentemente mais de 2.500 cadáveres Africanos no fundo do Mar Mediterrâneo e
assistindo à construção de um novo muro assustadoramente comprido na fronteira
da Hungria, envergonhando sem escrúpulos os tempos pós-modernos, eu fico me
perguntando de forma indignada: As lições históricas do passado estão sendo jogadas
no lixo? O que está dando errado na humanidade?
Aliás, acredito que, quando algo
acontece como este fenômeno, temos que nos dar conta de uma coisa fundamental,
a saber, a face dos outros precisa nos causar um forte impacto.
Morrer é o que há de mais certo que
todos nós passaremos. No entanto, fatos como esses devem nos impulsionar a
refletir e vivenciar a necessidade de uma epifania humana. Levinas fala que “o
rosto rasga o sensível”. Compreendo que as imagens que nos chegam, assim também
as que são retratadas pelo Sebastião Salgado em seu documentário ‘O sal da
terra’, nos remetem a muito mais do que analisamos e sentimos. Não
conseguiremos abarcar a imensidão dessa dor. Bem verdade, rasga. Quando se
rasga, por mais que tente se consertar, nunca retornará ao princípio original.
Oxalá esta marca sirva de cicatriz podendo nos purificar através do sofrimento.
Alguns poderão até se espantar com o que
vou afirmar, mas a vida daquela criança morta nos seus três anos de idade, Alan
Kurdi, vítima radicalmente indefesa e chocando a todos de maneira brutal, é
grande sinal de dignidade. Pelo menos assim deveríamos sentir, conforme a minha
opinião. Mostrou sem dúvida alguma que nós todos temos que rever muitas coisas.
O aplaudido conferencista Mário Sérgio
Cortella tem uma expressão que talvez possa clarear o que eu quero transmitir:
“minha vida que, sem dúvida é curta, eu desejo que não seja pequena”. Na verdade,
a dignidade do menino Sírio está na sua face que nos causou espanto,
perplexidade, emoção, reflexão. Ela está no fato de que ele é imensamente mais
digno de respeito do que aqueles tantos rostos obscuros que acabaram o
assassinando.
Nós vivenciamos hoje aqui em nível
local, nesta capital do agro-negócio Brasileiro, um fato insurgente, a saber,
que a sua tradicional marca de conservadora chegou ao cúmulo absurdo no sentido
de ter conseguido colocar na rua manifestando domingo dia 16 de agosto um em
cada oito ribeirão-pretanos adultos, para reivindicar até a volta dos militares
da época da ditadura. Em outras palavras, abafando nocivamente a exigência: ‘Tortura
nunca mais!”
Por isso quero encerrar esta minha
contribuição, questionando e ao mesmo tempo sugerindo: Urge prioritariamente
rearticular um trabalho de base por nós que mantemos viva em nossos corações e
em nossas mentes A UTOPIA QUE NOS IMPULSIONA A CONSTRUIR UMA SOCIEDADE MAIS
IGUALITÁRIA E EDUCANDO RUMO UMA CIDADANIA POLITICAMENTE MAIS E MELHOR
CONSCIENTE!
Padre
Chico, dia 06 de outubro 2015.
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