Publicado
em 04/08/2015 por antonioamachado
Todos
os brasileiros e brasileiras esperamos, sinceramente, que a corrupção no país
seja apurada e que os corruptos sejam punidos. Depositamos grandes esperanças
no trabalho da Polícia, do Ministério Público e da Justiça. É bem por isso que
muita gente vem aprovando tudo ou quase tudo aquilo que se tem feito no âmbito
da chamada Operação Lava Jato.
A
opinião pública brasileira está absolutamente convencida de que a corrupção
deve ser erradicada a qualquer custo, que os corruptos devem ser punidos de
modo implacável, que todos aqueles que lesaram os cofres públicos são
verdadeiros bandidos e, portanto, devem mesmo mofar na prisão. É só enfiar os
culpados na cadeia e pronto, já teremos “passado o país a limpo”!
Todas
essas expectativas são absolutamente compreensíveis neste momento, mas não é
tão simples assim.
Segundo
a Constituição da República e o Código de Processo Penal brasileiro não se pode
fazer uso sistemático de prisões preventivas para apurar crimes, pois, o
princípio constitucional da presunção de inocência e a própria literalidade da
lei processual penal determinam que esse tipo de custódia, sem condenação, deve
ser utilizado em último caso (ultima ratio), em caráter excepcional e não
como regra.
Há
evidências, porém, de que os responsáveis pela Operação Lava Jato estão
utilizando as prisões preventivas de forma equivocada, sem a rigorosa
observância dos pressupostos legais exigidos para a decretação dessa custódia
provisória, numa verdadeira inversão do princípio liberal da presunção de
inocência.
Decretaram
prisão preventiva de gente que depois foi absolvida, prenderam gente num dia e
soltaram no outro, e prenderam até cunhada de tesoureiro de partido político…
Virou a “festa do xadrez”! Não é por acaso que outro dia um ministro do próprio
Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, entre surpreendido e
alarmado, deixou escapar a alguns repórteres a seguinte exclamação: “nunca vi
tanta prisão preventiva”!
A
nova prisão do ex-ministro José Dirceu é um exemplo estridente desse uso
equivocado da prisão preventiva. De fato, se o ex-ministro tem o direito de
cumprir pena em liberdade por força de uma decisão condenatória definitiva,
proferida num processo que já acabou, por que motivo ele haveria de ser preso
preventivamente no âmbito de um processo que ainda nem começou?
A
Constituição Federal, as leis processuais brasileiras e os tratados
internacionais que o Brasil assinou impedem o uso de prisões preventivas com a
finalidade de obter confissões e delações premiadas, como vem ocorrendo na
Operação Lava Jato. Essa prática é expressamente proibida no país porque ela
constitui verdadeira tortura psicológica, portanto, uma prova ilícita que o
célebre Cesare de Beccaria já condenava veementemente há mais de duzentos anos.
Por
força do “princípio do processo acusatório”, consagrado na Constituição Federal
de 1988, as funções de investigar, acusar, defender e julgar devem ser
realizadas por autoridades distintas. Logo, um juiz de direito que conduz
investigações policiais, que decreta prisões provisórias para obter confissões no
inquérito policial e que depois profere julgamentos com base nisso tudo, como
ocorre na Operação Lava Jato, está assumindo funções inquisitoriais.
Assim
é porque, quando um juiz concentra em suas mãos as funções de investigar, de
preparar acusações e de prolatar sentenças põe em risco a sua própria
imparcialidade, torna o processo inquisitivo e fere frontalmente o princípio do
processo acusatório. Com isso, deita por terra também o princípio
constitucional do “devido processo legal”, cuja cláusula é uma conquista do
liberalismo com origem remota na Charta Magna assinada pelo rei João-Sem-Terra
em 1215.
No
âmbito da Operação Lava Jato há também uma anomalia processual quanto à
competência para julgamento dos crimes relacionados à corrupção na Petrobras.
De fato, uma das varas da Justiça Federal de Curitiba tem avocado para si o
julgamento de todos esses crimes, como se essa vara fosse uma espécie de “juízo
universal”, que exerce a chamada “vis atractiva”, atraindo para si a tarefa
exclusiva de julgar todos os crimes relacionados à nossa petroleira.
Com
efeito, há mesmo uma anomalia ou irregularidade processual nesse fato que torna
os processos nulos, pois, como sabem os juristas, o caso é de incompetência
material ou absoluta. Isso acontece porque, como a Petrobras é uma empresa de
economia mista, a competência para julgar as causas cíveis e criminais que
afetam os seus interesses não é da Justiça Federal e sim da Justiça Estadual
comum.
Não
acredita? Pois então, é exatamente isso o que diz o art. 109, IV, da CF, bem
como a Súmula nº 556 do STF quando determina que “é competente a justiça
comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista”, e
ainda a Súmula nº 42 do STJ quando estabelece que “compete à Justiça Comum
Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de
economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”.
Esse
vício de competência e as sistemáticas violações de direitos e garantias
constitucionais, em qualquer processo crime, configuram grave afronta ao
“devido processo legal” e ameaçam o próprio Estado Democrático de
Direito. Claro que o combate à corrupção é tarefa inadiável, a ser
realizada cotidianamente pelas autoridades e por qualquer cidadão, mas é
preciso que tudo seja feito dentro dos marcos rigorosos do Estado de Direito,
com a estrita observância do princípio da legalidade.
É no
mínimo questionável que o combate a um determinado caso de corrupção seja feito
à custa do “devido processo legal” e com sacrifício do princípio constitucional
da legalidade que é a base de qualquer Estado de Direito. Mas, além desses
aspectos jurídicos, há na Operação Lava Jato algumas implicações de ordem
econômica muito graves, implicações que os brasileiros não deveriam
menosprezar.
De
fato, essa operação tem provocado a “quebra” de inúmeras empresas nacionais,
como é o caso, por exemplo, da Construtora OAS que pediu recuperação judicial
(antiga concordata), e o caso também de outras empresas menores, fornecedoras
da Petrobras, que estão fechando as suas portas à beira da falência.
Isso
propicia a abertura do nosso mercado interno e facilita a entrada de empresas
estrangeiras (que não são vestais incorruptíveis), ampliando ainda mais a
desnacionalização da nossa economia, sem contar os milhares de postos de trabalho
que são sacrificados com o fechamento dessas empresas brasileiras, provocando
um impacto altamente negativo na taxa de desemprego, que já estaria chegando à
casa dos 8%, com tendência de elevação.
A
polêmica Operação Lava Jato tem um forte impacto sobre a indústria naval
brasileira, que até então era privilegiada pela Petrobras no fornecimento de
sondas para exploração de petróleo em águas profundas. De fato, a Petrobras
comprava exclusivamente dos fornecedores nacionais e impulsionava a nossa indústria.
Todavia, o setor naval estagnou de repente e já demitiu 14 mil empregados,
revivendo a crise dos anos 80, com o risco de entregar mais uma vez o nosso
mercado interno às empresas estrangeiras.
A
Petrobras é a maior petroleira da América Latina, cujo patrimônio e faturamento
superam o PIB de muitos países do mundo. Não há dúvida, porém, que a
Operação Lava Jato, com todo o seu estardalhaço, afeta o valor e a
credibilidade dessa empresa nacional, facilitando o caminho e o discurso
daqueles que sempre quiseram privatizá-la juntamente com as nossas preciosas
reservas do pré-sal.
Estima-se
que a Operação Lava Jato, pelo grande reflexo que teve sobre os negócios da
Petrobras, sobre a produção da indústria naval brasileira e sobre as empresas
“satélites” que atuam em torno da petroleira e de seus fornecedores, já
provocou um impacto negativo no PIB nacional de aproximadamente 2% no último
ano.
Em
suma, diante desse cenário tão complexo, é preciso saber se os brasileiros
estão mesmo dispostos a pagar todos esses custos jurídicos, políticos e
econômicos, que põem em risco o nosso Estado de Direito e a nossa soberania
econômica, para combater a qualquer preço não a corrupção, mas apenas um caso
de corrupção.
Ninguém
discorda que a corrupção e o histórico patrimonialismo do Estado brasileiro
precisam ser combatidos diuturnamente, sem trégua. Seria insano afirmar o
contrário. Mas, nesse caso da Petrobras, como diz a sabedoria caipira lá na
minha terra, e com perdão da metáfora meio chula ou talvez até vulgar, “parece
que estão querendo matar o boi para acabar com os carrapatos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário