domingo,
10 de janeiro de 2016
Urbanista Mauro Freitas fala sobre
Ribeirão Preto: passado, presente e futuro!
Além de ser um dos mais respeitados arquitetos e urbanistas de Ribeirão Preto,
Mauro Freitas é também muito respeitado pelos movimentos populares da cidade,
por sua constante presença ao lado das famílias que buscam o sonho de uma
moradia digna e de um futuro melhor. Mauro nos recebeu na sua casa e conversou
bastante sobre a nossa cidade de Ribeirão Preto.
Confira!
O Calçadão - O senhor foi Secretário do Planejamento e Presidente da
Cohab no primeiro governo de Antônio Palocci. Foi um momento em que a cidade
vivia uma grande expansão imobiliária, inclusive com aumento de ocupações e
favelas. Aquele governo foi fruto de um grande debate e de uma construção
coletiva envolvendo vários atores sociais e enfrentou com sucesso aquela
realidade. Como era o planejamento naquela administração que o senhor
participou, quais as diferenças para o planejamento de hoje?
Mauro Freitas - Naquele momento, na primeira
administração de Antônio Palocci, não existia uma Secretaria de Planejamento.
Realizou-se uma reorganização administrativa que criou a Secretaria de
Planejamento e Meio Ambiente. Através de um concurso contratou-se cerca de 20 arquitetos,
os mesmos que hoje estão se aposentando na Secretaria, e foi a partir daí que
se iniciou de fato um processo de planejamento urbano em Ribeirão Preto.
Montou-se o primeiro fórum para debater Plano Diretor em 1992 que já serviu de
alicerce para o planejamento urbano da cidade.
O Calçadão - O Plano Diretor de 1995 foi resultado desses
debates a que o senhor se referiu. E, na verdade, é ele que vigora até hoje,
haja visto que foram feitas ao longo dos anos apenas emendas e pequenas
reformas nele, não é mesmo?
Mauro Freitas - Exatamente. E este plano de 1995
foi intensamente debatido com toda a sociedade. E nesse plano de 1995 já havia
o indicativo de que seria necessário se construir um novo aeroporto fora dos
limites urbanos, veja só a visão daquela época. Tivéssemos seguido aquela
diretriz não teríamos hoje essa problemática em torno do Leite Lopes.
O Calçadão - É consenso entre muitas pessoas que vivemos hoje em
uma cidade altamente excludente, onde impera a lógica do mercado e da
especulação imobiliária. O senhor também tem essa opinião? Como essa realidade
afeta a vida das pessoas?
Mauro Freitas - Ribeirão Preto surgiu a partir do
momento em que proprietários rurais vindos de Minas ocuparam as terras da
região. Esses proprietários doaram algumas terras para a Igreja, primeiramente
na região da fazenda das Palmeiras e depois na região entre rios (córrego
Ribeirão Preto e Retiro Saudoso). Com o café e a ferrovia, houve um ciclo de
coronelismo e pujança econômica que durou até a década de 1930. A lógica do
mercado, dentro de um regime capitalista, veio depois, a partir dos anos 50. A
partir daí a especulação imobiliária vai imperar sobre o uso e ocupação do
solo, reservando grandes áreas urbanas para os seus interesses. Ribeirão Preto
tem enormes vazios urbanos sem função social, reservados para a especulação,
inclusive com toda a infraestrutura de água, esgoto, luz elétrica ao seu redor.
O que a cidade precisa é evitar que a área urbana se expanda além do anel
viário, precisamos adensar mais a cidade, ocupando os vazios urbanos com
projetos de moradia popular, inclusive com a verticalização das moradias,
sobrando espaço para recompor as áreas verdes através de parques urbanos.
O Calçadão - A atual proposta de Plano Diretor, que, aliás,
novamente não foi votada na Câmara, coordenada pelo Lanchotti, tem uma
filosofia boa, que vai ao encontro do que o senhor acabou de responder?
Mauro Freitas - Sim, a atual
proposta de Plano Diretor também é fruto de uma ampla discussão. Eu fiz parte
do COMUR e acompanhei tudo isso. Ali estão presentes todos os instrumentos do
Estatuto das Cidades que visam coibir a especulação imobiliária. IPTU
progressivo, urbanização compulsória de áreas sem função social dentro do
perímetro urbano, zonas especiais de interesse social etc. São propostas que
visam dar mais equilíbrio social para a cidade, equilíbrio que hoje encontra-se
rompido. Há verdadeiros 'guetos' dentro de Ribeirão Preto. Como o nosso amigo
Padre Chico gosta de dizer, nós temos muralhas dentro de Ribeirão Preto.
Bolsões de pobreza e problemas estruturais na maior parte dos bairros populares
e as muralhas que protegem os condomínios fechados da zona sul, e que agora
começam a se expandir para a zona leste, e vazios urbanos aguardando
valorização, ou seja, usados para especulação.
O Calçadão - Essa dificuldade em votar o Plano Diretor não vem
da falta de tempo para debate, como alegam alguns vereadores, mas pela pressão
do poder econômico que é contra esses instrumentos contidos no Plano.
Mauro Freitas - Sim. A
especulação imobiliária prefere deixar as áreas vazias e esperar que o poder
público faça toda a melhoria de infraestrutura em seu entorno para valorizar os
terrenos para empreendimentos futuros de alto padrão. Enquanto isso, o problema
de moradia popular se agrava. Na verdade, a atuação do poder público deve ser
para disciplinar, planejar a cidade. Hoje temos uma zona sul que se desenvolve
e uma zona norte, por exemplo, como uma área de exclusão, por falta de atuação
correta dos instrumentos públicos de planejamento urbano. A zona oeste é nos
últimos tempos um vetor de crescimento de moradia popular, com problemas de
infraestrutura, e logo conurbaremos com Sertãozinho, enquanto que a expansão da
zona sul já enfrenta limitantes físicos de crescimento (fazendo as
empreiteiras mudarem de planos, pressionando a zona leste e as
áreas de recarga do aquífero Guarani - O Calçadão).
O Calçadão - E a questão da moradia em Ribeirão Preto é uma
questão muito grave. O senhor acompanha isso de perto. Eu li um estudo da
Prefeitura onde se diz que cerca de 6% da população de Ribeirão Preto
encontra-se em uma situação de extrema fragilidade social, isso dá em torno de
40 mil pessoas. Esse é um número real na questão da moradia e
ocupações/favelas?
Mauro Freitas - Eu acredito que deva ser até
maior. Hoje nós temos no perímetro urbano 45 núcleos de favela. Só isso já dá
algo entre 10 a 15 mil moradores de favela. Temos 30 mil inscritos na Cohab. No
programa Minha Casa Minha Vida faixa 1 (os mais pobres) são 28 mil.
O Calçadão - Como está o andamento do programa Minha Casa Minha
Vida Entidades em Ribeirão Preto. Há projetos em andamento?
Mauro Freitas - O Programa
Minha Casa Minha Vida Entidades é algo relativamente novo. Foi implantado em
2007. As associações de movimentos de moradia podem se cadastrar no Ministério
das Cidades para realizar todo o planejamento para empreendimentos para
moradias destinadas à população de baixa renda. Aquisição das áreas,
planejamento de engenharia, realização das obras, sempre valorizando a
autogestão comunitária. É um programa que tem dados excelentes resultados no
Brasil todo. São cerca de 800 entidades habilitadas nacionalmente. Aqui na
região nós temos a União dos Sem Teto e Sem Terra de Sertãozinho, temos o MOHAS
(Moradia e Assistência Social) em Serrana e o Movimento Livre Nova Ribeirão, do
Marcelo Batista, em uma parceria com a Federação dos Funcionários dos Correios,
que estão com dois empreendimentos encaminhados e várias áreas urbanas que
poderão ser destinadas para a moradia popular.
O Calçadão - Uma das maiores críticas que se faz sobre os
impedimentos colocados na organização e participação direta da população é a
tutela do Poder Publico dobre os conselhos populares. Em Ribeirão Preto os
conselhos populares, da sociedade encontram-se na esfera de atuação da Secretaria
da Casa Civil. A participação popular nestes conselhos é efetiva? Qual o peso
que joga a participação popular frente ao poder econômico nas decisões
políticas em Ribeirão Preto?
Mauro Freitas - Eu vejo com
muito frágil a participação popular, da sociedade civil dentro dos conselhos.
Sendo a direção controlada por uma secretaria governamental, há uma grande
dificuldade de fortalecer a participação política popular devido ao grande
poder de manipulação dentro dos conselhos. Sendo assim, a sociedade civil como
um todo não tem uma participação mais abrangente.
O Calçadão - A partir dos anos 50, como em quase todas as
cidades brasileiras, Ribeirão Preto foi construída para o automóvel, inclusive
com reformas urbanas neste sentido. E o transporte coletivo que é oferecido ao
trabalhador, exceto na curta experiência do Trólebus, é o modelo de ônibus
circular a diesel. O senhor tem projetos interessantes a respeito do transporte
coletivo, o senhor poderia nos contar um pouco mais sobre o seu projeto de vias
rápidas de fundo de vales?
Mauro Freitas - Falta hoje em Ribeirão Preto um
Plano de Mobilidade Urbana que aproveite todos os recursos físicos territoriais
que ainda estão disponíveis. Como, por exemplo, se aproveitar os fundos de
vales como vias expressas, acompanhando os leitos de córregos. E fazer isso com
uma visão ambientalista, ou seja, também construir parques lineares
acompanhando o trajeto de mobilidade. Teríamos vias expressas para automóveis,
vias rápidas para VLT ou BRT, ciclovias que sirvam de deslocamento para o
trabalhador e faixas para pedestres, harmonizando a funcionalidade com os
espaços de lazer. A topografia de Ribeirão permite que se pense em grandes
parques lineares ao longo das vias de mobilidade, inclusive massificando o
transporte ciclístico, resolvendo até a questão da segurança, porque onde há
muita gente utilizando a violência é inibida. Seria resolvido o problema da
mobilidade com grande ganho ambiental, uma vez que os fundos de vales ganhariam
importantes áreas verdes, que inclusive daria um ganho em termo de
permeabilidade, ou seja, ajudando na questão do infiltração das água pluviais.
O Calçadão - Falando sobre os parques urbanos, nós inclusive
escrevemos um artigo no blog sobre isso dizendo que há uma distorção forçada
pelo poder econômico, uma vez que a grande maioria dos parques é construída na
zonal sul em detrimento do restante da cidade´, Aí temos o dado de que o índice
de arborização do microcosmo da zonal sul é até bom, enquanto que nos bairros
mais populares o índice de arborização é abaixo do recomendado. Como resolver
esse problema?
Mauro Freitas - Isso é
interessante para notarmos como a questão ambiental acaba permeando a lógica
dos empreendimentos imobiliários. Hoje nós temos um percentual maior de áreas
verdes na zonal sul porque é lá que estão os empreendimentos e hoje o mercado
percebe que há uma valorização do imóvel se houver um parque próximo. A
qualidade ambiental é boa para o mercado. Paga-se caro para ter qualidade de
vida. Agora, é preciso transferir essa lógica para o restante da cidade. Mas
veja, só com o aproveitamento dos fundos de vales nós já teríamos um ganho
ambiental significativo para os bairros populares, dando um resultado maior do
que a antiga política de praças, daqueles quadriláteros destinados ao locais de
lazer dentro de um bairro. O parque linear é bem mais acessível a abrangente.
Um bom exemplo disso é conjunto Adão do Carmo Leonel, na zonal sul, próximo à
Vila Virgínia. Todas as ruas desse conjunto terminam numa rotatória e essa
rotatória dá num parque. Assim, valorizaríamos, com qualidade de vida, os
imóveis de todos, de todas as regiões e não só da região mais rica.
O Calçadão - Há uma área, inclusive já escrevemos sobre isso no
blog, que é aquela compreendida entre a avenida Costábile Romano e a rua
Arnaldo Vitaliano, onde hoje existe numa pequena porção o Parque Curupira. Hoje
vemos que toda aquela área poderia ter sido transformada numa área de
preservação ambiental urbana, mas que o que ocorreu de fato foi a construção do
parque para valorizar o restante da área. Hoje há empreendimentos no local com
entrada VIP para o parque, em detrimento da biodiversidade que havia ali,
inclusive com a nascente do córrego dos catetos. Eis um exemplo de como se
pensa política urbana e ambiental na cidade, não?
Mauro Freitas - Ali se resolveu fazer um
parque na antiga pedreira que existiu ali até os anos 80. É uma região
claramente sub-aproveitada, ou seja, a proteção da área verde que se fez ali foi
ínfima. Deveria ter sido feita uma proteção ambiental em toda a extensão do
córrego dos Catetos, com um parque linear. Mas ainda há ali condições de se
fazer um parque linear, mesmo com todo prejuízo ambiental já causado.
O Calçadão - Nós aqui do blog gostamos muito da administração
Fernando Haddad e acreditamos que ela representa uma quebra de paradigmas na
gestão urbana. qual a sua opinião sobre a Prefeitura de Haddad?
Mauro Freitas - Só o fato de
ele estar implementando o transporte ciclístico numa cidade como São Paulo já é
algo espantosamente positivo. Houve a proposta aprovada no Plano Diretor, fruto
da pressão dos movimentos sociais, de ao longo das linhas do metrô haver a
revitalização dos prédios abandonados com destinação para moradia popular. Isso
vai ao encontro das melhores práticas futuras, ou seja, valorizar as regiões
centrais, criar zonas de interesse social para democratizar a política de
moradia e aliar isso a um plano de mobilidade. Imagina se aqui em Ribeirão
Preto nós conseguíssemos isso. Verticalizar a moradia popular nos bairros
sobrando espaço para parques lineares ao longo de vias rápidas. A
verticalização é saída para se ganhar espaços urbanos de áreas verdes nos
bairros populares, além de racionalizar os custos de infraestrutura.
O Calçadão - É possível sonhar com uma Ribeirão Preto onde se
aplique os conceitos de cidade sustentável e gestão democrática, contidos no
Estatuto das Cidades? Qual o papel do movimento popular nisso?
Mauro Freitas - Nós arquitetos somos sonhadores natos.
É a partir da idealização que transformamos um conceitos abstrato em uma forma
e da forma para a função. Eu sou um otimista por natureza, como bom aquariano.
Os sonhos podem se tornar realidade a partir do momento em que se caminha junto
com a sociedade. É preciso perseguir sempre o equilíbrio social. Cidade
sustentável é aquela que equaciona o tripé: desenvolvimento econômico, social e
ambiental. E nós estamos caminhando para isso porque a humanidade está
acordando para essa nova era, a era da busca pela qualidade de vida. O modelo
antigo de cidade não serve mais. Nós vamos buscar um novo modelo de cidade
junto com um novo modelo de sociedade. Valorizar os espaços públicos como
faziam os gregos há 2 mil anos, valorizando a praça pública. Isso será feito
inexoravelmente com a força da mobilização popular.