Jornal do SEESP JE447 março 2014
A reintegração de posse no Conjunto
Habitacional Caraguatatuba, na Cohab II, em Itaquera, zona leste da Capital,
concluída em 20 de fevereiro, expõe o quadro perverso da exclusão social, que
tem como uma de suas faces o déficit habitacional. Sem ter onde morar, cerca de
mil famílias haviam invadido o local em julho de 2013. Agora, foram obrigadas a
desocupar os 940 apartamentos do “Minha Casa Minha Vida”. Apresentado como o
principal programa para reduzir esse grave cenário, em sua segunda fase, esse
enfrenta, contudo, problemas estruturais, na visão de especialistas.
No Estado, faltam 1,1 milhão de moradias,
sendo 230 mil na Capital, segundo informação oficial. No País, são 5,4 milhões
de residências – 8,8% dos domicílios brasileiros, conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística/Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (IBGE/Pnad), relativos a 2011. Esse número se reduziu em 6,2% entre
2007 e 2011, segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) de maio de 2013. São Paulo correu na contramão, com uma elevação de
0,6%.
Conforme a assessoria de comunicação do
Ministério das Cidades, entre 2009 e 2014 (fases 1 e 2), foram contratadas cerca de 3,2 milhões de unidades para compor o
“Minha Casa Minha Vida” em todo o País. O Estado de São Paulo conta com o maior
número: 579.506. O valor do investimento é de R$ 198,96 bilhões. Todavia, até
31 de dezembro de 2013, haviam sido liberados apenas R$ 35,3 bilhões desse
montante – recursos do Orçamento Geral da União. No programa de rádio “Café com
a presidenta” veiculado em 9 de dezembro último, Dilma Rousseff informou que,
do total contratado, 1,4 milhão de casas já haviam sido entregues.
Para o advogado e urbanista Rodrigo Faria
Iacovini, pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade
(LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP), o programa, entretanto, “pouco se volta às necessidades
habitacionais da população pobre brasileira, muito menos se baseia nos padrões
estabelecidos internacionalmente para efetivação do direito humano à moradia
adequada através de políticas habitacionais”.
Segundo ele, sete elementos
precisariam estar presentes para tanto: segurança da posse (o direito de morar
sem o temor de remoção, ameaças indevidas ou inesperadas); disponibilidade de
serviços, infraestrutura e equipamentos públicos próximos; custo acessível para
aquisição ou aluguel da residência; condições de habitabilidade; não
discriminação e priorização de grupos vulneráveis; localização adequada; e
adequação cultural (respeito à identidade e diversidade cultural na forma de
construir e nos materiais utilizados). Faria exemplifica: “Em termos de
localização, a situação é crítica. Não se trata apenas da distância física dos
empreendimentos ao centro das cidades, mas também da perpetuação da segregação
social representada. Em regiões metropolitanas como São Paulo e Campinas, é
possível observar que não somente se continua a produzir habitações em áreas
muito longe, como isso continua a ocorrer naquelas regiões tradicionalmente
reservadas à população pobre.
E em muitos casos, ainda seria possível a
produção desses empreendimentos em localidades mais centrais.” Também têm sido
problemáticas, na sua visão, as questões da habitabilidade e da adequação
cultural. Excessiva padronização dos imóveis, edificações muito pequenas,
problemas construtivos, como grandes vazamentos, umidade, rachaduras, bem como
de conforto ambiental, com pouca ventilação e ruídos excessivos devido ao baixo
isolamento acústico, são algumas das consequências.
Na sua opinião, isso ocorre porque o
“Minha Casa Minha Vida” foi desenhado “como uma forma de injetar recursos no
setor da construção”, de modo a combater os efeitos da crise financeira
internacional a partir de 2008. Conforme Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor
do SEESP, por seu viés econômico, o programa resultou ainda em especulação
imobiliária. “O preço do terreno nunca esteve tão inacessível como agora.”
Soluções
Na ótica de Faria, para sanar o déficit
habitacional, deve se pensar em um conjunto de soluções, a integrar uma
política definida para o setor. “Seria interessante, por exemplo, que se
dispusesse de uma estratégia de locação social. É ainda preciso aproveitar o
expressivo número de imóveis vazios existentes em áreas centrais das grandes
capitais brasileiras, transformando-os em habitações de interesse social. Por
fim, é urgente enfrentar a questão fundiária no País, ou seja, democratizar o
acesso ao solo urbano infraestruturado e bem localizado para a população
pobre.”
Para Kirchner, pode contribuir para mudar
o quadro atual a implementação efetiva das leis federal e estadual de
assistência técnica pública e gratuita à baixa renda. Assim, seria possível
contar com engenharia pública na reforma dos imóveis vazios e melhoria dos
usados. Com isso, os padrões exigidos ao direito humano à moradia elencados
pelo pesquisador do LabCidade estariam garantidos.
No caso da construção personalizada
e com acompanhamento de profissional qualificado, exemplo bem-sucedido é o
Programa de Moradia Econômica (Promore), instituído pelo SEESP em 1988
inicialmente no município de Bauru e hoje implementado também em Campinas,
Piracicaba e Ribeirão Preto, em convênio com as prefeituras. Somente na
primeira cidade, já foram atendidas 14 mil famílias.
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