Publicado em junho 6, 2011 por HC
Tags: desigualdade, sociedade
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Para os pobres a polícia e o Direito Penal
Leilão de um dos prédios das Torres Gêmeas
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro1
[EcoDebate] Insistem em reservar para os pobres a polícia e o Direito Penal, mas o povo está organizado e quer direitos fundamentais que, neste caso concreto tem, sobretudo, o nome de moradia digna.
Desde a primeira tentativa de leilão de um dos prédios das chamadas torres gêmeas, localizadas na Rua Clorita, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte, MG, as famílias que moravam no prédio que está sendo leiloado e as que ainda vivem no outro prédio, juntamente com apoiadores e famílias sem-teto de Belo Horizonte vem, de forma organizada manifestando repúdio à condução da política de moradia em Belo Horizonte.
Durante os leilões que vem acontecendo no Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, o imóvel é apresentado, através da leitura do edital, como se estivesse totalmente disponível. Sabemos, portanto, que muitas famílias não tiveram sequer a possibilidade de recolher seus pertences pessoais nos apartamentos.
Para as famílias que ocupavam o imóvel há muitos anos se diz que há situação de risco, mas o prédio é anunciado, no edital do leilão, como em fase de acabamento. Isto não é uma contradição?
Além da falta de encaminhamento digno para estas famílias que simplesmente reivindicam o fundamental direito a moradia, o mais lamentável é a forma como elas vem sendo tratadas todas as vezes que se tenta realizar o leilão no Fórum Lafayette.
O direito do povo de se organizar e se manifestar são constitucionalmente garantidos. Contudo, os dias de tentativas de leilão do prédio das torres gêmeas no Fórum Lafayette tem sido dias em que se reforça a segurança no Fórum. É um ato de concorrência e só pode se manifestar, levantar a mão, quem tem dinheiro para oferecer. O povo que tenta dizer que sua casa está sendo vendida é ameaçado de prisão.
Na 5ª tentativa de leilão, dia 31 de maio de 2011, aumentou a indignação do povo: depois de conversas silenciosas entre a síndica da massa falida, o leiloeiro, o Promotor de Justiça e outros interessados, o leilão começou. Desta vez, não com a leitura direta do edital, mas com a leitura do artigo 335 do Código Penal, cujo crime é “Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência”, com sua respectiva pena.
O povo ainda assim tentou se manifestar, mesmo com o reforço da segurança. Depois de um tempo sem oferta de lance, o leiloeiro anunciou que tinha uma oferta por um valor aquém do mínimo pedido. Ninguém havia se manifestado publicamente, mas ao final, a pessoa que ofereceu o lance mínimo se apresentou. Ele havia conversado diretamente com o leiloeiro. A proposta ficou de ser apresentada ao juiz para análise. Tratava-se de uma oferta sigilosa, com o ofertante presente em um leilão público.
Em off ouvimos também que há previsão de retirada imediata de aproximadamente 70 famílias que moram no prédio de número 64. Esta notícia de que em um mês as duas torres estarão disponíveis está correndo no meio de possíveis compradores. A notícia é estarrecedora, pois não há uma proposta alternativa digna para moradia das famílias que ocupam o prédio de nº 64 há 15 anos. A prefeitura não construiu casas para que as famílias possam ser encaminhadas. As que moravam no prédio de nº 100 também seguem reivindicando este direito.
O povo, apesar de ter sido tratado assim, vendo suas moradias oferecidas em leilão público, recebidos no Fórum com segurança reforçada e Código Penal, não desiste de lutar. Insistem em reservar para os pobres a polícia e o direito penal, mas o povo está organizado e quer direitos fundamentais que, neste caso tem, sobretudo, o nome de moradia digna que passa, necessariamente, por uma política pública efetiva.
O princípio constitucional é o da intervenção mínima do Direito Penal, mas no trato com os pobres o inverso tem acontecido: direitos humanos e fundamentais mínimos e direito penal máximo. Até quando? Diante desta desumanidade, como se pode calar? Como não ir para as ruas? Como obedecer a fila ilusória da política de moradia da prefeitura de Belo Horizonte? Como não perturbar a concorrência se ela apresenta sinais de injustiça e violação de direitos humanos fundamentais?
1 Advogada do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Material Reciclável, integrante da Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG – e da Rede Nacional dos Advogados Populares – RENAP -, da Rede de apoio às Comunidades Camilo Torres, Dandara, Irmã Dorothy e Torres Gêmeas; e-mail: rosariofi2000@yahoo.com.br
Colaboração de Frei Gilvander Moreira para o EcoDebate, 06/06/2011
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